terça-feira, 17 de junho de 2008


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu amei-a e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a em meus braços.

Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.

Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.

E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.

A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.

Ao longe alguém canta.

Ao longe. A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.

O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.

Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.

Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro.

Será de outro. C

omo antes dos meus beijos.

A voz, o corpo claro.

Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.

É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços, a minha alma não se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa, e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.


Pablo Neruda

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